Meus versos,
Meus unguentos...



domingo, 31 de janeiro de 2010

Sábado

O sábado cheirava a poliflor e pinho sol.
Escorria espesso na água de espuma liberta do tanque.
A vida corria macia sobre os jornais que cobriam o assoalho, agora encerado.
Depois da janta,
o menino encantava-se com notícias de outras vidas na sala de estar.
O mundo ficava imenso com a casa limpa.                                               

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

                                          
Ser só
Sozinho
Ser sem ninguém
Passarinho solto na tarde infinita
Ser sem seu ninho
Sem saber rumo
Voa desatino
Voa desaprumo
Voa sem destino
Quando a noite cai.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O menino e o Poeta





"...Se um dia tudo for embora
resta o menino em sua tela
onde a vida de tão bela
parece pintura

onde a altura do sonho
é abrir a janela
onde eternamente o tempo espera
e a canção infinita
se declara..."

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Deus



Após dias e dias de intensa chuva e ausência de sol,
ouvia-se a voz de meu avô,
sonora como um trovão
 em seu sotaque italiano:

" Levanta geral no tempo"

Minutos depois o céu se abria
 e o dia se iluminava sobre a casa amarela.

....Eu pensava que meu avô era Deus.

O rio

O rio vem de longe
trazendo memórias.
No meu peito perde o leito,
sai do curso,

se esquece no mar...

Mar

Água azul
filha do infinito.
Imensurável verde vem a onda cerzindo o vento.
Quebra na areia
Na planta do pé
Tonteia
Adentra minha'lma atônita.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Tardinha


A tardizinha
A tardinha
Tadinha da tarde no fim do mundo
Morrendo no asfalto
Nos campos secos
Nos prédios
Nos muros altos
Nos morros
Nos sobressaltos
Na solidão das placas
Nas rodas do caminhão.
Morrendo nas vilas,  avenidas
Nas veias sentidas do meu coração
Morte lenta invisível
Leve nos braços do vento
Uma pena
No abandono das antenas
e da casa em construção.
Tadinha da tarde
Quase triste, quase bela
Nos silêncios da favela
Na confusão de buzinas
Na fumaça das usinas
Entre meu olhar profundo
E o reluzindo de uma estrela.

Deusa


Deusa, musa
Blusa lese azul turquesa
Escrava, Rainha, divina Princesa
É sonho na janela de Iaiá.
É samba na viola de Ioiô.


E o que será que ela sente
Quando sai detrás dos montes
Pronta pra trabalhar?
Põe a menina pra dormir,
O poeta pra despertar,
Os amantes pra sofrer,
A coruja pra piar,
Faz samba na viola de Iôiô
E sonho na janela de Iáiá.

Passa perfume na dama da noite,
Maré cheia e vazante,
Acende a cidade e a lamparina,
Ensina o lobo uivar.
Seu nome rima com rua,
Às vezes dia
Talvez canoa,
Mas a rima que se apropria,
Com certeza é sempre nua.

E quem ela pensa que engana
Essa louca vadia?
Numa semana está cheia do sol,
Se disfarça de outra, se esconde,
E quando aparece parece um anel.
Solteira ela é de Jorge.
Se casa ela é de mel.
Eterna amada a solitária,
Ninguém pode beijar.
Virou samba na viola de Ioiô,
E sonho na janela de Iaiá.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Pensamento


Passarinho tem esse nome
porque passa no vento
ou porque mora no ninho?
passa depressa num redemoinho
vum pra lá
zum pra cá
o tempo pousa no passarinho
será o que pensa
quando pisa o passeio?
parece pensar nada
voa léguas enquanto cisca.

O trem



Maria fumaça
atravessa a solidão
de olhos acesos
e leva a saudade no grito...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Pégaso

Cavalo alado
que carrega sonhos
o dorso liso me embriaga
sonho escorrega por não ter pega
e me renega sem compaixão.
Cavalo insano
meu sonho é água-igarapé
égua no cio
um grão no chão,
deixa a tristeza que corro léguas
água corrente no ribeirão.
Bate patas
Mistura mágoas
Bate asas
Asa ilusão.
Pégaso azul
seu caminho é branco
meu destino manco
meu desejo é tanto
seu galope ágil
Mas meu sonho é frágil
e é sempre naufrágio
no meu coração.

A Tia


A tia desenhava abelhas
e borboletas coloridas,
arrebentava de sol
o caderno de desenho
no dia chuvoso.
Fazia balas de amêndoa,
arrebentava de doce a boca,
a televisão philco,
a sala de taco.
Quando ela morreu não fiquei triste,
melancólico, só lembrei das balas de amêndoa
e seus poucos prazeres:
Pão com carne de músculo, macarronada,
empadinha de frango.
Não se casou, ao que parece não amou ninguém,
mas sofrera do coração a vida inteira.